O QUE É GRAMÁTICA?
Você já se perguntou o que é gramática?
É comum pensarmos que a gramática seja um conjunto de regras que nós precisamos memorizar para escrevermos e falarmos da forma correta a nossa língua. Porém, em termos gerais, a gramática vai muito além disso: trata-se do complexo sistema de funcionamento de qualquer língua, seja ela falada ou escrita. E como a língua é algo extremamente dinâmico e complexo, usada em diferentes situações e contextos, existem vários tipos de gramáticas com diferentes finalidades.
GRAMÁTICA NORMATIVA E GRAMÁTICA DESCRITIVA
Os dois tipos principais de gramática que existem são: gramática normativa e gramática descritiva.
Enquanto que a gramática normativa define a forma "correta" de utilizarmos a língua, mantendo a tradição do "bem falar" e do "bem escrever" herdada, sobretudo, dos autores clássicos da Literatura, a gramática descritiva explica e descreve como essa língua é usada no mundo real por todos os falantes.
Ou seja...
A gramática normativa é aquela que busca explicar as regras de uso da variante padrão da língua portuguesa. É a gramática que a gente aprende na escola, é a gramática que nos explica como devemos escrever e falar de forma correta. Portanto, a gramática normativa está focada em ensinar as normas e regras da norma-padrão, que é o Português "oficial", exigido nos concursos públicos, nas redações e documentos oficiais (jurídicos, legislativos, acadêmicos etc) e nos contextos mais formais de interação social.
Por outro lado, a gramática descritiva é aquela que procura descrever os fatos da língua em uso, ou seja: a "língua real", que está na boca dos falantes. Trata-se de uma gramática que procura analisar e entender a língua em uso em todas as suas variantes. Portanto, ela não busca dizer o que é certo ou que é errado, mas sim procura descrever como a língua é usada em diversos contextos comunicativos.
DE ONDE VEIO A GRAMÁTICA?
A palavra "gramática" vem do grego grammatikḗ, que significa "a arte e a ciência de bem escrever". E é uma palavra grega porque foi na Grécia antiga, por volta do século V a.C., que a gramática surgiu no mundo Ocidental.
Mais tarde, o Império Romano herdou essa tradição dos gregos, desenvolvendo a gramática do latim. E depois, com a queda do império, o chamado "latim vulgar", que era o latim falado pelo povo, foi se diversificando e se modificando ao longo dos séculos, dando origem a novas línguas: as línguas neolatinas (espanhol, italiano, francês, entre outras). O nosso português é uma dessas língua neolatina (veio do latim) e herdou essa tradição gramatical, baseada na arte do "bem escrever".
A primeira gramática da língua portuguesa que se tem notícia foi publicada em 1536: trata-se da "Grammatica da Lingoagem Portuguesa", do português Fernão de Oliveira. E a primeira gramática da língua portuguesa publicada por um brasileiro no Brasil foi a "Arte de Grammatica Portugueza", do padre Inácio Felizardo Fortes, publicada em 1816.
"Arte de Grammatica Portugueza", do padre Inácio Felizardo Fortes |
QUEM CRIOU AS REGRAS DA GRAMÁTICA NORMATIVA? POR QUE AS COISAS SÃO COMO SÃO?
A gramática normativa, que explica o que é "certo" e o que é "errado" de acordo com o Português padrão, é fruto de uma longa tradição gramatical. Essa tradição gramatical tem início na ideia de que "escrever bem" significa escrever como os grandes poetas e escritores clássicos da Literatura.
Foram várias as gerações de gramáticos que criaram, ao longo dos séculos, obras para transmitir essa tradição gramatical e preservar a língua portuguesa. Importante ressaltar que isso contribuiu e continua contribuindo para a permanência e existência da língua. Sem essa padronização, certamente a língua, falada por milhões de falantes ao longo de séculos em diferentes regiões do mundo, iria se fragmentar em outras línguas.
Basta pensar: se hoje já existem tantas variantes do Português pelo Brasil e pelo mundo mesmo com a existência da norma-padrão, imagine se não existisse essa norma-padrão, ou seja: imagine se não existissem convenções e regras de escrita e se cada pessoa pudesse falar e escrever da forma que bem quisesse em qualquer situação comunicativa. Assim, o Português, ao longo dos séculos, poderia se dividir em várias línguas, como aconteceu com o latim, por exemplo.
Portanto, essa é a justificativa principal para a existência da norma-padrão e da sua gramática normativa. Seria uma espécie de "acordo coletivo" entre todos nós, falantes do Português, em todas as épocas e lugares, para preservarmos a nossa língua ao longo do tempo. Portanto, as regras da gramática normativa são antigas e existem para preservar a própria existência da língua.
A GRAMÁTICA NORMATIVA PODE MUDAR?
Sim, é claro que as regras gramaticais podem mudar ao longo do tempo. Várias regras de regência verbal, por exemplo, mudaram ao longo dos anos porque determinados verbos passaram a ter outros sentidos. Outro caso clássico foi a redução do pronome "você", que originalmente era "Vossa Mercê". Antigamente escrevíamos "pharmácia" com "ph" porque as regras de ortografia antigas privilegiavam mais a origem etimológica da palavra do que a fonética. E antes dos anos 50, gramáticas de diferentes autores apresentavam outras terminologias e classificações, o que gerava muitos problemas.
Contudo, é lógico que mudanças não ocorrem do dia para noite. Veja um exemplo: se eu, de forma hipotética, desejar que o plural correto de "limão" seja "limãos" (em vez de "limões"), alterando a sua flexão de número (sendo, portanto, uma alteração de nível morfológico e fonético), é preciso que muita gente passe a falar "limãos", é preciso que essa forma se consagre pelo uso ao longo de muitos e muitos anos e que obras literárias passem a usar "limãos" até que os gramáticos do futuro considerem "limãos" como uma forma correta e aceitável.
Naturalmente, certas áreas da língua são mais flexíveis a mudanças do que outras. Como por exemplo, o nosso léxico, que engloba o conjunto de todas as palavras da nossa língua (ou seja: o nosso vocabulário) é renovado o tempo inteiro, pois a todo momento surge uma palavra nova, no mesmo passo que toda hora uma palavra acaba ficando em desuso, ou então tem o seu significado original alterado, passando a ter outras acepções em função do uso.
Já a ortografia (a forma correta de se escrever as palavras) é regida por reformas e acordos ortográficos. No Brasil, tivemos reformas ortográficas em 1943, 1971 e também o de 1990, que buscou padronizar a ortografia nos países lusófonos, o que levou bastante tempo para entrar em vigor. Portanto, para mudar as regras de ortografia, é preciso criar uma nova legislação ou acordo e isso, naturalmente, leva tempo.
Enquanto isso, toda a parte de nomenclatura, de terminologia e de organização da gramática é regida por um documento criado no final da década de 50: Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Esse documento, criado por um grupo de professores, gramáticos e linguistas, padronizou, em nome da simplificação, toda a nomenclatura da gramática normativa que existia na época, garantindo que todo mundo utilizasse os mesmos nomes para se referir aos mesmos conceitos gramaticais, evitando confusão. Por um lado isso foi bom, pois antes da NGB cada gramático explicava a gramática do seu jeito, o que era terrível, por exemplo, para concursos e vestibulares, pois era
preciso estudar de acordo com a gramática adotada em cada lugar. Por outro lado, essa padronização e simplificação não foi perfeita e apresenta algumas falhas que precisam ser corrigidas. O ideal seria, portanto, criar uma nova NGB, mais coerente e atualizada.
Portanto, as regras gramaticais na gramática normativa podem mudar, mas isso demanda bastante tempo e depende muito do tipo de mudança e dos seus impactos na língua. É preciso que a mudança linguística realmente se consolide e se cristalize na língua por um bom tempo para que seja padronizada e aceita pela norma-padrão.
QUEM FAZ A GRAMÁTICA NORMATIVA?
A gramática normativa é transmitida e preservada pelas várias gerações de gramáticos que publicaram suas gramáticas ao longo do tempo. A história das nossas gramáticas é estudada e pesquisada pela Historiografia Gramatical Brasileira.
Hoje há várias obras que funcionam como referência de gramáticas normativas; são obras clássicas que estão há décadas no mercado e foram escritas por autores que se consagraram como verdadeiras autoridades no assunto, como por exemplo, Evanildo Bechara, Celso Cunha, Rocha Lima e Domingos Paschoal Cegalla. Suas gramáticas circulam no mercado editorial desde os anos 60 e 70.
Napoleão Mendes de Almeida, com a sua clássica Gramática Metódica da Língua Portuguesa, é outra grande referência no assunto quando se trata de norma-padrão. De perfil mais conservador e purista, com bastante domínio da gramática do latim e do português, sua Gramática Metódica ganha traços singulares, que é o que mais me chama a atenção em sua obra. Junto a ele, destaco outro gramático de perfil bastante conservador e até mesmo polêmico: Luiz Antônio Saconni, autor dos livros Não Erre Mais.
Também podemos destacar nomes como Pasquale Cipro Neto (que se notabilizou com o programa Nossa Língua Portuguesa) e Sérgio Nogueira (do quadro Soletrando do Calderão do Huck), pioneiros em popularizar o ensino da gramática por intermédio da televisão e da imprensa, além de William Cereja e Thereza Cochar Magalhães, autores da coleção de livros didáticos Português: Linguagens, que há mais de 30 anos vem sendo adotada pelas escolas de todo o país.
É importante observar que há hoje, no mercado editorial, uma geração de professores mais jovens que vêm produzindo excelentes gramáticas, especialmente voltadas para concursos públicos. Sendo assim, há diversos professores que hoje se destacam em seus cursos, em seus canais no YouTube e com suas gramáticas voltadas para concursos, dentre os quais não posso deixar de destacar o professor Fernando Pestana, com A Gramática para Concursos Públicos, uma obra realmente monumental no que diz respeito ao ensino da norma-padrão aplicada às bancas de concursos.
Não posso deixar de citar também José Carlos de Azeredo e sua maravilhosa Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, uma gramática normativa do português escrito padrão, que inova ao se mostrar mais aberta a questões linguísticas contemporâneas, como também Amini Boiainain Hauy, com a sua esplêndida Gramática da Língua Portuguesa Padrão, trabalho primoroso que integra a coleção "Didática", da Editora da Universidade de São Paulo.
E A GRAMÁTICA DESCRITIVA?
A gramática descritiva é mais complexa do que a gramática normativa, pois seu objetivo é estudar, descrever, analisar o funcionamento da língua nos mais diversos contextos e situações. Portanto, trata-se de uma gramática que está sempre em movimento, baseada em pesquisas, discussões e trabalhos acadêmicos.
Hoje contamos com excelentes pesquisadores que abordam a gramática por essa perspectiva, dentre os quais eu não poderia deixar de destacar: Ataliba Castilho (Gramática do Português Brasileiro), Mário Perini (Gramática descritiva do Português Brasileiro), Maria Helena de Moura Neves (Gramática de usos do Português; A Gramática do Português Revelada em Textos) e Marcos Bagno (Gramática Pedagógica do Português Brasileiro).
Estudar uma gramática mais acadêmica, voltada às pesquisas linguísticas contemporâneas, é algo mais complexo do que estudar a tradicional norma-padrão que aprendemos desde cedo nos bancos escolares, uma vez que estamos entrando no terreno da ciência linguística e da língua em uso, entrando em contato com um conteúdo que, muitas das vezes, exige uma série de conhecimentos prévios para compreendermos a natureza dos fenômenos linguísticos, suas nomenclaturas e terminologias.
POR QUE ESTUDAR A GRAMÁTICA NORMATIVA?
Conforme eu disse anteriormente, a gramática normativa é aquela que prescreve a norma-padrão, a variante do português que é exigida nos concursos públicos, nas redações e documentos oficiais e nos contextos mais formais de interação social. Nós não somos obrigados a falar e a escrever segundo a norma-padrão o tempo inteiro em todas as situações, uma vez que podemos utilizar a linguagem coloquial nos momentos mais informais. Entretanto, não conhecer o Português padrão pode gerar impactos negativos nas situações e contextos em que ele é exigido, seja na área profissional, acadêmica ou pessoal. Como elaborar o TCC da faculdade sem conhecer a norma-padrão? Como ser aprovado na prova de língua portuguesa ou de redação de algum concurso sem conhecer o Português padrão? Como fazer uma apresentação, redigir um documento oficial ou se sair bem numa entrevista de emprego demonstrando não conhecer a modalidade padrão da língua portuguesa?
Portanto, o conhecimento da norma-padrão da língua portuguesa é primordial para a nossa vida em sociedade sem prejuízo às demais variações linguísticas que tornam a nossa língua especial, diversa e multicolor. Nesse sentido, as gramáticas normativas têm a sua importância, mesmo que às vezes as regras gramaticais, frutos da longa tradição gramatical, pareçam estranhas ou sem sentido para a realidade da língua em uso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário