Quando eu estudava no Ensino Fundamental eu achava que as regras da Língua Portuguesa eram perfeitinhas: tudo estava escrito nas gramáticas de modo claro e exato. Porém, as coisas não são assim. Um exemplo disso é a polêmica do "vende-se" e do "vendem-se". Alguns autores consideram errado dizer "vende-se" (aluga-se, conserta-se, etc...). Entretanto, outros afirmam que essa construção é correta. Aproveitando que o artigo anterior foi sobre as funções do "se", resolvi escrever essa postagem.
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"Vende-se" ou "vendem-se"? |
Antes de partimos para a explicação, você precisa ter algo claro na mente: vozes verbais. As orações podem ser escritas no padrão da voz ativa ou então na voz passiva. Veja o padrão:
Vendem-se casas
padrão da voz ativa
Casas são vendidas
padrão da voz passiva (o sujeito "casas" se transforma no agente da passiva)
Versão 1: "Vendem-se casas" é o mesmo que "casas são vendidas". Logo, "vende-se casas" é o mesmo que "casas é vendida", o que é errado. Logo, é errado dizer "vende-se casas". O correto é "vendem-se casas".
Versão 2: "Vendem-se casas" é o mesmo que "casas são vendidas". Agora, dizer "vende-se casas" quer dizer que alguém (um sujeito indeterminado) vende casas. Ou seja: "alguém vende casas", "sujeito indeterminado vende casas". Imagine se uma pessoa se depara com a placa "vende-se casas". Ela se pergunta: "quem está vendendo casas"? A resposta será: "não sei, porque o sujeito é indeterminado". Logo, tanto faz dizer "vendem-se casas" ou "vende-se casas".
Os gramáticos ainda não entraram num acordo. Alguns autores consideram a versão 1, enquanto que outros optam pela versão 2. Evanildo Bechara, conceituado gramático da ABL, defende a versão 2. Em sua gramática, ele afirma:
…o ‘se’ como índice de indeterminação do sujeito – primitivamente exclusivo em combinação com verbos não acompanhados de objeto direto –, estendeu seu papel aos transitivos diretos (onde a interpretação passiva passa a ter uma interpretação impesssoal: ‘Vendem-se casas’ = ‘alguém tem casa para vender’) … A passagem deste emprego da passiva à indeterminação levou o falante a não mais fazer concordância, pois o que era sujeito passou a ser entendido como objeto direto…
Por outro lado, Sérgio Nogueira, gramático do G1, opta pela versão 1:
Quando vejo escrito numa placa “CONCERTA-SE bicicletas”, primeiro fico imaginando uma “sinfonia” de bicicletas e, depois, a necessidade de CONSERTAR a plaquinha. O certo é: “CONSERTAM-SE bicicletas” (=”bicicletas SÃO CONSERTADAS”).
Conclusão:
Para não errar, diga sempre "vendem-se casas", pois essa construção está correta tanto na versão 1 quanto na versão 2.
Aprofundando os conceitos...
Eu particularmente opto pela versão 2. Acredito que tanto faz eu falar "vende-se" ou "vendem-se", pois não há preposição depois do "-se". O que muda é que no primeiro caso (vende-se) o sujeito é indeterminado e a expressão "casas" se transforma em objeto direto, enquanto que no segundo caso o sujeito existe na voz ativa (e se transforma em agente da passiva na voz passiva). Porém, se houver preposição (geralmente é a preposição "de"), então eu terei que usar o verbo sempre no singular. Exemplo: "necessita-se de algo" (e não "necessitam-se de algo), "trata-se de alguma coisa" (e não "tratam-se de alguma coisa").
O "se" não necessariamente virá acompanhado do hífen. Eu poderia falar, por exemplo: "No barbeiro do Darcy sempre se fica nervoso". Nesse caso, o "se" é o índice de determinação do sujeito, já que o verbo "ficar" está conjugado na 3ª pessoa do singular (ele/ela fica). E realmente não sabemos quem é o sujeito: afinal, quem é que fica nervoso?
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